segunda-feira, 14 de junho de 2010

EXPO NA UNICAMP, TEXTO NO CCLA












PALESTRA PROFERIDA NO CCLA (CAMPINAS)
A História da Revista Ilustrada
(Duilio Battistoni Filho)


A importância que a historiografia artística tem dedicado às revistas ilustradas do século XIX é ainda recente. Quando se fala na Revista Ilustrada fundada por Ângelo Agostini, em 1876, pensa-se, de imediato, na caricatura, considerada, na época, como uma arte menor, devido à falta de técnicas modernas de reprodução de imagens nos jornais, como o clichê fotográfico e a ilustração.

O primeiro caricaturista brasileiro não foi nenhum dos fazedores de bonecos, muitas vezes, mais vivos do que seus irmãos de carne e osso. Foi um homem, não do lápis, mas da pena, o insuspeito frei Vicente do Salvador, prosador dos melhores do passado e autor de uma monumental História do Brasil. Da caricatura brasileira, pode-se, portanto, dizer, como da criação do mundo segundo a Bíblia, quando o espírito de Deus pairava sobre as águas: no princípio era o Verbo. Foi, pois, a palavra o primeiro instrumento de que se serviu o nosso primeiro caricaturista, um baiano corajoso em apontar as mazelas do governo português. A caricatura de frei Vicente não visa apenas, individualmente alguns dos reinóis imperantes na colônia, mas a todos os que desde os princípios da nação brasileira teimam em travar a máquina administrativa do país.

Antes da chegada da família real ao Brasil não se permitia a publicação da caricatura, por motivos óbvios. Ela somente aparecerá quando da decretação da Imprensa Régia, em 1808, pelo príncipe-regente D. João. Com o desembarque da comitiva real portuguesa vamos assistir a um desfile de tipos bizarros, estranhos para a população, burlescos, alvos de chacota como: fidalgos orgulhosos de sua ascendência, nobres matronas, almotacés, estribeiros-mores e damas fidalgas a serviço das senhoras da família real. No dizer de Monteiro Lobato “vem muito abatida a real majestade, a suar grosso, com as mãos gorduchas procurando endireitar as amolgaduras da coroa; na testa traz o vinco azedo das más digestões, não consegue digerir o general Junot.

Artistas estrangeiros que estiveram no Brasil após a vinda da Missão Artística Francesa, deram a sua contribuição como ilustradores, em alguns jornais brasileiros, como foi o caso de Sebastien Sisson, gravador da Ilustração Brasileira. A influência da caricatura francesa nos periódicos ilustrados do século XIX no Brasil é bastante significativa. Basta lembrar o Cherivari, homônimo do jornal francês de Honoré Daumier, onde surgiu pela primeira vez, a estilização do perfil do imperador D, Pedro II no formato de uma castanha de caju. É peculiar a ação de periódicos ilustrados que surgiram dentro de um contexto específico e com propósitos dirigidos a uma determinada causa, como foi o caso do Paraguai Ilustrado – semanário asneirótico, burlesco e galhofeiro, que atacou Solano Lopes e seu exército através da caricatura durante os primeiros anos do conflito entre o Brasil e o Paraguai.

Apesar de ter ficado conhecida como uma revista de caricaturas, a Revista Ilustrada não se firmou perante o público leitor, apenas através deste gênero de arte, mas, sobretudo, pela arte da ilustração utilizada como um veículo de notícias, quanto de crítica. As ilustrações, muitas vezes, demonstram um apuro de execução um desenho que denota a influência de nomes de relevo das academias européias, contribuindo, assim, para a vulgarização da arte em nosso país. Sob o ponto de vista político, a revista alinhava-se à ideologia do liberalismo que permeava o Brasil a partir da segunda metade do século XIX, ao fazer a propaganda, das transformações importantes que se verificam no panorama social brasileiro, principalmente na transição do modo de produção escravista para a capitalista – e político – com a adoção da República.

Deve-se considerar que a revista não se restringiu apenas nos limites da cidade do Rio de Janeiro, mas também a outras províncias do país, de norte a sul, atingindo um público bastante diverso. Não se mostrava tão somente um semanário político, mas também exerceu a função de, através da arte, informar e divertir. Denunciava o sistema de ensino oficial da Academia de Belas-Artes do Rio de Janeiro, pelo seu extremo conservadorismo em que os artistas dependiam do aparelho do Estado que lhes garantia a sobrevivência, através das encomendas que lhes fazia. É importante ressaltar que o surto urbanístico do século XIX, trouxe consigo um novo público – típico da classe média urbana com novas ideias e novos propósitos. Será principalmente a este público que a Revista Ilustrada, bem como outros periódicos de sua época, procurarão atingir com os seus trabalhos. Embora utilizasse um discurso vigoroso e, às vezes, contundente, no tratamento de problemas políticos, a revista adquiriu uma linguagem mais amena e humorística no trato dos assuntos cotidianos da cidade, do Brasil e do mundo, com resenhas noticiosas ilustradas, folhetins, contos, histórias em quadrinhos, acompanhamento constante de espetáculos teatrais circenses e musicais. Foi uma revista que atingiu a um público bastante amplo porque não dirigiu seus assuntos exclusivamente a setores mais específicos da população. Tratou de vários assuntos, tanto da esfera política como também daqueles referentes ao cotidiano da cidade.

É preciso destacar que nas páginas da Revista Ilustrada o sistema escravista foi posto em evidência através de um discurso não apenas dramático e impessoal, como também em forma de denúncia, num tom incisivo, ao relatar as injustiças do sistema refletidas no sofrimento dos cativos. Joaquim Nabuco chamou-a de “Bíblia da Abolição dos que não sabem ler”. A propaganda republicana também pode ser vista, inicialmente, de forma amena e depois mais interessante nas folhas deste semanário.

A monarquia costumava ser retratada por Agostini como algo obsoleto, sustentada pelos elementos mais conservadores da sociedade, e a figura do imperador, em particular, foi alvo contumaz do lápis chistoso do artista. D. Pedro II era representado ora adormecido nas sessões do Instituto Histórico, ora de saiote de Joaninha, aos pinotes de Lafaiete, no seu cavalinho de pau, ora nas falas do trono que o punham de pernas para o ar, com manto, cetro e coroa. Muitas críticas eram feitas ao ministério. O Barão de Cotegipe era figurado de mil maneiras, normalmente representado com seu grosso nariz recurvado, todos, entretanto, mostrando sua habilidade política. Às vezes aparecia como “leão de chácara” açambarcando o melhor bocado. Outras vezes, como “macaco velho” que não metia a mão nas cumbucas dos liberais.

A Revista Ilustrada é considerada o maior documentário ilustrado de qualquer período que nossa história conheceu, somente comparável ao que, de outra época, deixara Debret e Rugendas, na fase anterior ao aparecimento da imprensa ilustrada em nosso país, mas com a superioridade de uma arte participante. Lobato comentou que a Revista Ilustrada foi a coqueluche do fazendeiro. Quando este chegava cansado de sua faina diária no campo, apeava, entregava o cavalo a um negro, entrava, sentava-se na rede, pedia café à mulatinha e imediatamente abria a revista. Deleitava-se com os acontecimentos políticos que desfilavam perante os seus olhos e o seu rosto se iluminava de satisfação com o que lia, pois ali estava vendo o Brasil.

Resumindo, podemos dizer que a Revista Ilustrada significou uma das várias tendências artísticas do século XIX e, em particular, para o caso dos periódicos ilustrados. Representou a síntese do que foi a ação da arte na imprensa oitocentista, com uma produção fecunda, cujo conteúdo vale a pena uma reavaliação.